Eu gostaria de dizer que foi, num dia de bom humor, um esforço pra quebrar meu preconceito contra livros de auto-ajuda. Mas na verdade catei o livrinho porque as outras opções de coisas-pra-fazer-na-casa-de-vó-cheia-de-gente-barulhenta-no-fim-de-semana eram:
...
a) ficar rondando a churrasqueira na espera por um espetinho de carne, ou b) ficar rondando o fogão à espera da panela de cobertura do bolo, ou ainda c) ficar rondando o escritório à espera de um computador desocupado.
...
Como eu não queria nem engordar nem me stressar, fui ler, é claro. Um livro que não sabe se é romance ou auto-ajuda (eu sei: é auto-ajuda disfarçada de romance, e odeio quem não se assume), em que o protagonista é um alter-ego muito mal alter do próprio Augusto Cury: jovem estudante de medicina, idealista, sonhador, que fica chocado com a falta de sensibilidade que os médicos renomados têm com os cadáveres (!) e resolve desvendar a história de um deles, o Poeta da Vida (cof cof). Para isso se disfarça de indigente e vai viver nas ruas, tentando entender as personalidades brilhantes por trás dos doidinhos de rua e descobrir a verdade sobre o tal Poeta, que no fim das contas foi o médico fundador do Hospital das Clínicas, que perdeu a esposa e os filhos num desastre e enlouqueceu. Ops, estraguei o final... mas adivinhem só? Não quebrei nem um pouquinho meu preconceito contra livros de auto-ajuda. Continuo achando - e agora falo com conhecimento de causa - que só quem se auto-ajuda são os autores, que faturam milhões às custas dos traumas dos reles mortais que compram (e pior: dão de presente) esses livros cheios de frases feitas e filosofia de botequim. O tal médico-sonhador-idealista não se cansa de fazer propaganda de suas descobertas revolucionárias, do tipo todos os nossos atos têm consequências (jura?), e obviamente é malvisto pelo malvado-e-retrógrado-diretor-do-hospital, que não aprova sua maneira afetuosa e gentil de tratar os pacientes. É claro que no final o diretor-coração-de-pedra cai em si, pede desculpas e adota uma postura mais humana, bla bla bla.
...É impressionante como até um livro de auto-ajuda consegue ser tão maniqueísta. Mais impressionante ainda é o uso exaustivo de expressões como "palco da vida", "anfiteatro da mente", "cortinas do conhecimento". Acho que Cury na verdade é um ator frustrado... Aí me pedem pra dar um desconto, porque O Futuro da Humanidade (é esse o nome do livro, bem sugestivo, não?) é o primeiro romance dele, que provavelmente não tinha a técnica aprimorada que tem hoje pra escrever (cof cof). Mas Lauren Weinsberger foi jornalista por anos, e seu primeiro romance foi só O Diabo Veste Prada. Que - além de ser deliciosamente irônico, demonstrar não técnica, mas naturalidade e provocar um divertidíssimo esforço imaginativo - é extremamente comercial, mas pelo menos assume.
...
(soundtrack: Beatles - All My Loving)
Não tenho nada contra quem gosta das pilulazinhas de otimismo barato, e não duvido que os conselhos realmente tenham algo que se aproveite. Tenho, sim, muita coisa contra quem vende as pilulazinhas querendo posar de salvador do mundo (e o pior é que meio mundo de gente considera o cara um gênio). Mas o que mais me irrita é uma criatura que não me conhece querendo me dizer o que fazer, como se a fórmula pra ter uma vida feliz fosse a mesma pra todo mundo, como se todas as pessoas fossem brinquedos de montar, todos com o manual de instruções igual. E só pra registrar, também odeio qualquer tipo de manual de instruções.
.(soundtrack: Beatles - All My Loving)
|