terça-feira, 28 de agosto de 2007

meu belisco

É assim que ele me chama de vez em quando. Me chamava bem mais quando eu era menor (do tamanho de um belisco, eu acho, o que quer que isso seja). Hoje é aniversário dele. 84 anos, os mais saudáveis que já vi até hoje alguém completar. E não sei o que é que me deu de não pensar em nada inédito pra escrever pra ele, eu que me dou melhor com palavras do que com qualquer outra coisa. Nem cartão pra o presente (um almanaque de 144 páginas de palavras-cruzadas) consegui fazer. Mas enfim, escrevi a seguinte cartinha já há um tempo, quando estava em Recife morrendo de saudade. Mandei por email, mamãe imprimiu, ele leu e deve ter significado um bocado, porque uma semana depois ele e minha vó me mandaram uma graninha e umas 3 revistinhas de palavras-cruzadas, puro carinho. E sei lá, acho que vai demorar até que eu consiga traduzir melhor o quanto ele é importante pra mim.


Essa noite tive um sonho estranhíssimo (e mais estranho ainda é que faz um tempão que não tenho sonhos). Sonhei que o senhor quase morria. Tinha um problema de saúde, não sei exatamente qual, mais grave que todos os outros poquíssimos que já teve, e parecia que tinha chegado a sua hora. E eu não entendia, porque o senhor sempre foi tão saudável, parecia que ia viver pra sempre. E não me conformava por não estar por perto. Não que eu fosse ser extremamente necessária ou coisa assim, era mais por causa da saudade mal-resolvida que ia ficar depois. Mas não aconteceu. O senhor não morreu, no fim das contas. E inexplicavelmente (agora eu sei, porque foi um sonho) estava aqui, no meu apartamento, dando glória a Deus. E eu lhe dei aquele abraço que o senhor gosta tanto, dizendo exatamente isso. Que tive tanta saudade, que não ia aguentar, que Deus é bom. E o senhor passava a mão na minha cabeça, com todo o amor do mundo.
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Aí acordei. E essa talvez seja a primeira vez que um sonho me leva a tomar uma atitude de verdade. Mesmo que sejam só umas palavras (e eu me dou bem com elas).
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Seu Abel, eu te amo. Muito, muito, muito, mais do que eu pensei que amava até hoje. Amo o seu jeito doce de falar comigo, de viver, na verdade. Amo os seus conselhos. Amo a sua paciência, a certeza que o senhor tem de que tudo vai dar certo porque Deus está no controle. Amo a sua inteligência peculiar, sua vontade de aprender mais sempre. Acho o máximo meu avô ser capaz de resolver as palavras cruzadas mais difíceis em uma sentada, e conhecer tantas constelações, estrelas-alfa, capitais e países que ninguém nem sabe que existem, e outras coisas que o senhor gosta de dissecar naquela enciclopédia. A coisa mais fofa do mundo é quando o senhor vem lá de cima trazendo um pratinho de bolo, biscoitos ou alguma fruta, e diz "é especial pra você". Mesmo que na verdade nem seja, aquela comidinha besta se torna especial por sua causa. Acho lindo o amor que o senhor tem por minha vó, a paixão cheia de gentilezas que existe entre os dois ainda. E o seu senso de economia então... capaz de barganhar até no caixa do supermercado, fazendo sempre o melhor negócio, esperando e estudando as oportunidades, fazendo todas as contas possíveis e imagináveis, só pra de vez em quando dizer "tome, pegue esse biscoitinho que você gosta", e isso significar tanto.
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Dizem que avô estraga. Se for pelo senhor, a pessoa que inventou isso está redondamente enganada. O senhor me faz querer comer coisas saudáveis de vez em quando, me leva a acreditar que existe SIM amor pra sempre, tem uma relação com Deus que nunca vi igual, e só me falta força de vontade pra querer ser assim. Me deu uma bênção toda especial, que quando eu era pequena, achava a maior chatice ouvir e esperar, mas agora me sinto MESMO abençoada. O senhor é o melhor avô do mundo, e eu te amo. Eu lembro do senhor, e de vez em quando preciso do seu abraço e da sua mão na minha cabeça dizendo "vai ficar tudo bem, meu belisco". Tenho saudade de ver o senhor chegando da rua, de boné na cabeça e mão no bolso, ou então trazendo um milho verde, porque lembrou da gente. E todas essas coisinhas pequenas.
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Vô, eu seu que não disse tudo, porque nem cabe no papel, mas sei lá, acho que essas palavrinhas valem pra o senhor saber que seu belisco te ama.
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um beijo e um abraço daqueles,
Alininha
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parabéns, meu belisco.
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(soundtrack: The Fratellis - Whistle for the Choir)