segunda-feira, 14 de agosto de 2006

noite de acompanhante

5 da tarde de sexta, tia Nete liga pra mim. Vou dormir no hospital com meu pai, que acabou de fazer uma cirurgia complicada no dente. Me pegou de surpresa, mas é meu pai, eu vou, né...

Corro na padaria perto do trabalho pra comprar Toddynho e biscoitos Champagne (eita biscoito bom, viu...), e no ap pra pegar minhas coisas: roupa, escova de dentes, "A Última Grande Lição", carregador de celular (só Deus mesmo pra me fazer lembrar dele - e como o bichinho foi útil essa noite!), presente de dia dos pais do meu pai, um livro que vou acabar só entregando no domingo, assim que perceber que não tem clima absolutamente nenhum pra isso. Cheiro (cheiro?) de hospital. Corredor enorme. Enfermaria 7. Quarto grande.

Meu pai parece ter uma bola de tênis na bochecha direita. Pergunta (e não sei até agora como ele conseguiu se fazer entender) se tem algodão, gaze, alguma coisa na boca. Não tem. Tá inchada mesmo.

Quarto sem ar-condicionado, mas com um ventilador potente, porém barulhento. Tudo bem. Não tem espelho em lugar nenhum, até os vidros são opacos. Nada bem... Ok, eu entendo que um quarto de hospital não é mesmo o lugar mais apropriado pra espelhos, principalmente nesse caso de meu pai, porque não é nada bom ver alguma parte de seu corpo inchada/roxa/com a forma nada comum/cheia de pontos devido a uma cirurgia. Mas isso me incomodou profundamente.

Banho gostoso, e eu mais cansada ainda depois dele.
Todos os canais pegam bem, menos a globo. Que sorte...
Biscoito Champagne com Toddynho, a melhor parte da noite.

Sono incontrolável, agravado pelo chiado da tv e pelo barulho do ventilador, que me impedem de ouvir, e consequentemente de prestar atenção na novela (é, eu vejo novela :P), e pela falta do meio litro de café que tomo toda noite, e me ajuda a suportar a leitura de livros didáticos e dissertações de mestrado nada interessantes (tá, interessantes sim, mas cansativas). Eu devia ter comprado umas balinhas de café... droga.

Vários telefonemas da família, e eu repetindo que nem uma secretária eletrônica que tá tudo bem, que o café já veio, que ele tá dormindo, o que o médico recomendou, etc etc etc.

já estou num hospital, não aguento ver mais um na novela. desculpa, Helena. cochilo.

2 da manhã. Mais telefonemas que eu perdi (e certamente não tiveram muita importância, mesmo nessa hora absurda).

Cólica. logo hoje... Então cólica é assim, essa vontade de ter o corpo todo envolto por alguma coisa fofa e macia pra ver se a dor passa, e ao mesmo tempo ânsias de arrancar fora o útero. Tá, mãe, eu acredito agora. Mais biscoito Champagne com Toddynho, porque me dão a sensação de que se eu comer, a cólica passa (tavez pelo fato de que até agora, dor de barriga sempre esteve associada a comida, de alguma forma. "está na hora de rever seus conceitos..."). Pronto, achei a posição fetal perfeita.
"Claire de Lune" tocando na minha cabeça. Não sei por quê lembrei dessa música agora, só sei que veio todinha na mente, sequência certíssima.
Algum filme quase mofado passando na globo. Muda de canal. Filme bonzinho com Keanu Reeves terminando no sbt. Que sorte...

6 da manhã. "Gostei muito que você veio ficar aqui comigo". É, só isso já vale.
Seria tão mais fácil se a cirurgia dele tivesse sido em qualquer outro lugar, menos na boca... não dá nem pra conversar, que saco.

Chaves. adooooro, mas quem consegue prestar atenção?
8 Simple Rules. um tempão que não via essa série. É bem engraçadinha. Como o sbt está ficando igualzinho aos canais norte-americanos! O que é uma lástima na maior parte do tempo, mas num sábado de hospital é exatamente o que eu preciso.
Outra série engraçadinha com risadas falsas pelo meio, esqueci o nome mas é alguma coisa com família. É, sbt é mesmo o melhor canal pra assistir dia de sábado.

Vovó no telefone, dizendo que o médico já deve estar chegando. Hora de arrumar as coisas...
Café da manhã (eu doida pra que trouxessem um cafezinho preto...): pão com manteiga, comível porque está quentinho, leite com 0,0001% de café, não bebível, mingau de sei lá o quê, quem disse que eu me arrisco?... Sorte de meu pai, que só toma água. Eu fico com meus biscoitos Champagne e Toddynho mesmo. O que provavelmente vai me dar uma indigestãozinha mais tarde.

"A Última Grande Lição", finalmente consegui me concentrar pra ler. Morrie Schwartz torna melhor meu começo de dia, e é extremamente cativante. Lembro do filme. Chorei um pouquinho no filme, chorei bem mais agora. É impressionante o poder das palavras escritas, que fazem a gente se colocar no lugar dos personagens, muito mais do que numa tela de cinema ou de tv.
Tia Dinah, filosofia, 8a série... aposto que teria sido pra mim o que Morrie foi pra Mitch se tivéssemos passado mais tempo juntas. Teve que sair antes de terminar o ano letivo por causa de um problema na coluna, e até onde eu sei, nunca mais voltou a ensinar, talvez porque a maioria dos alunos não a entendesse, e o esforço não compensava. Mas eu entendia. E mesmo que tenha sido minha por menos de um ano, ela é a professora que eu nunca vou esquecer, que enxergava a vida do lado de dentro. Ela publicou uma de minhas poesias num livro. Mãe, mostra isso a ela...
O livro acabou rápido demais.

Médico, até que enfim! Pelo jeito de falar, não é brasileiro. Mas tô absolutamente sem humor pra ser curiosa e acabar ouvindo uma história imensa.
Recomendações, receita, alta. Ufa. Cabou.
Pai, não invente outra dessas tão cedo, pelo amor de Deus.

(soundtrack: Claude Debussy - Claire de Lune)