quinta-feira, 19 de outubro de 2006

de sorte (?)

Mamãe já tinha me explicado um bocado sobre DDA (Distúrbio de Défict de Atenção), mas depois de ler Mentes Inquietas, muita coisa se esclareceu de uma maneira... hmmm... esclarecedora. E tenho mais motivos pra ficar alegre do que triste.
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Em primeiro lugar, meu caso não é extremo. Os vôos do meu pensamento por milhões de coisas diferentes não me causaram mais que umas bronquinhas e um "estou decepcionado com você" de algum professor que não recebeu o trabalho no dia certo.
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Tive sorte com uma mãe que não me obrigava a ser o que não era. Pelo menos não em excesso. É claro que lembro (me lembram) das perdas de paciência quando eu não conseguia sentar e fazer a tarefa, ou de que eu frequentemente saía da minha sala de maternal pra "assistir" as aulas dos mais velhos, ou dos lápis e borrachas perdidos misteriosamente na escola, ou das broncas por eu não prestar atenção à mensagem na igreja (geralmente começava - e isso ainda acontece - a viajar na maionese e acabava dormindo, sonhando mesmo). Mas lembro também de quando comecei a ter que estudar sozinha, e aí as coisas eram no meu tempo. Das caixas com 24, 30 lápis, que pra mim eram artigo descartável, que nem as echarpes Hermés de Miranda Priestly. Do reconhecimento de que eu era especial, e não problemática, desde o começo. Do enorme estímulo à criatividade (eu tinha livros, papel e lápis de cor no lugar de bonecas) e, mais tarde, à escolha da profissão. Descobri que não tem nada mais perfeito pra DDAs do que design.
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Tive sorte de estudar em escolas "alternativas" e liberais (exclua-se a passagem obscura pelo São Jorge na 2ª série), e ter professores que eram literalmente meus fãs. Alguns até aceitavam minhas saídas de mestre improvisadas, como a vez em que li uma redação num papel em branco, e depois não tinha lugar nenhum pra a tia dar o visto. Por outro lado, teve outra que quase me bateu com um caderno, tentando me acordar na hora da aula (que horror...). A parte ruim foi ter sido muito solitária na escola, consequência da dificuldade em me relacionar típica dos DDAs somada à minha pouca idade (pelo menos 1 ano mais nova que todos os coleguinhas) e ao fato de ser a queridinha dos professores. Todo mundo odeia CDFs, e o pior é que eu nem era. Me sentia uma farsa, exatamente como alguém que deu o depoimento no livro, por não dar o tempo e a atenção devida às minhas tarefas, e ainda assim elas serem impecáveis, feitas em cima da hora. Acontece até hoje, na faculdade, e descobri que é "defeito de fabricação" da maioria dos designers deixar tudo pra o último minuto.
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Mas o pior de tudo foi a constatação de que os DDAs não têm um pingo de sorte no amor. E como eu já tive no jogo... sei lá, é tão estranho pensar que minha dificuldade em dar certo com alguém, em mostrar meus sentimentos, em conseguir ser amada de volta sem maiores complicações pode ter origens patológicas, e ser pra sempre. E um medo de nunca, nunca, nunca dar certo. E um imenso ponto de interrogação: Por que cargas d'água eu tinha que ser tão romântica então???
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Depois de tudo lido e devidamente filosofado, ficaram algumas coisas: o alívio de não serem culpa minha todas as atrapalhações e esquecimentos da vida, o medo de que, agora que sei das minhas peculiaridades de DDA, comece a usar isso como desculpa pra tudo, e que o distúrbio tome conta de mim mais ainda (aquela coisa de que o machucado só dói quando a gente vê o sangue) e a sensação nada confortável de que todo e qualquer traço bom ou ruim da minha personalidade é um sintoma, e que, resumindo, eu não tenho personalidade, só um conjunto de características devidamente catalogadas, de tão bem que os diagnósticos me traduziram. Confuso? Confuso é ser DDA, viu...


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arrumadinho...
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(soundtrack: Robbie Williams - She's The One)