sexta-feira, 28 de julho de 2006

almofadas e pudim de leite Moça

Eu sou um desastre mesmo. Mas façam um favorzinho, imaginem que eu postei isso anteontem, dia deles.
Aí um domingo desses , na igreja, finzinho do culto (como fazem em todo fim de culto), cantaram aquele hino

"Finda-se este dia que meu Pai me deu
Sombras vespertinas cobrem já os céus
Meu Jesus bendito, se comigo estás
Eu não temo a noite, vou dormir em paz"

E toda vez que cantam, eu lembro da versão que João Alexandre fez dessa música, um voz-e-violão delicioso e nada a ver com esses hinos de igreja. Mas ontem, não sei o que foi que me deu, não sei se foi o órgão tocando daquele mesmo jeitinho, ou a cara de chuva que o dia inteiro teve, ou a saudade de Ilhéus maior do que nunca depois de ter visto mamãe ao vivo (no aeroporto, por pouco mais de meia horinha, mas valeu), eu não lembrei de João Alexandre. Meu pensamento foi loooonge, lá em Olivença, quando a igreja de meus avós nem era igreja ainda, era "a congregação", ou "combegação", como o irmãozinho chamava. E, como aqui, lá a gente cantava esse hino todo final de culto, e nem precisava aquele negócio que eu esqueci o nome, que era basicamente um livro formado de cartolinas enormes com as letras dos corinhos, porque todo mundo já sabia de cor. e antes de minha vó tomar coragem e aprender a tocar teclado, era tudo à capela mesmo. Unplugged.

Eu ainda tinha os cabelos meio loiros e bem cacheadinhos, mas o sorriso parece que era o mesmo. E os fins de semana em Olivença, na casa de vovô Abel e vovó Adi foram tantos que (desculpem a redundância) as lembranças são inesquecíveis. As idas ao Itão com meu avô antes de começar o fim-de-semana propriamente dito... era uma época em que eu adorava ir no mercado, porque tudo que meus pais não compravam, vovô dava, fazendo todas as nossas vontades - não sem antes tentar botar moral pelo menos um pouquinho, fazendo a gente insistir e apresentar toda a sorte de argumentos convincentes pra levar um Cheetos, uma caixa de chocolate ou o bom e velho Chambinho. Ou os pães de queijo que minha vó comprava congelados no mercado (ela nunca foi muito fã de cozinhar) e colocava no forno de noitinha...

A casa de portas e janelas ora azuis, ora verdes, com cortinas quadriculadas ora azuis, ora verdes, sempre combinando... Minha mãe diz que minha vó comprava a peça inteira do tal tecido quadriculado, e com ela fazia as tais cortinas, as almofadas das cadeiras do quintal, os panos de prato e até umas bermudas super fashion pra meu avô... Depois que eles mudaram pra a cidade, e as almofadas ganharam capas brancas, chiques de verdade, confesso que cheguei a sentir falta daquela coisa meio kitsch das almofadas quadriculadas. (Nossa, como eu repeti a palavra "almofadas"!)

Olivença era o lugar das noites sem televisão, porque a coitadinha era terrivelmente odiada por dona Didi lá pelos idos dos anos 90 (e quem diria que eu ainda ia chegar a ver vovó viciada em Escrava Isaura?!). Mais tarde, quando o resto da família finalmente conseguiu quebrar a resistência anti-televisiva e a pretinha ganhou um lugar de honra na sala de estar, vovó fez pra ela uma capa com o já citado tecido quadriculado, e bordou, não sei se foi à mão, um versículo cuja referência eu não lembro de jeito nenhum, mas diz "Não porei coisa má diante dos meus olhos", que tal?

Mas apesar de ter sido viciada em Chiquititas (fui mesmo, que menina não foi?), e não perder um único capítulo quando estava em casa, a TV não fazia falta lá em Olivença, a verdade é essa. Porque tinha aquela rede bem no meio do corredor, onde eu adorava me balançar até bater a cabeça na parede e sair chorando, ou até minha vó chegar, reclamando das marcas dos pezinhos nas paredes. Aquela casa não é a mesma sem a parede toda manchada...

Tinha também os campeonatos de Palavras Cruzadas, que os dois sempre adoraram jogar, e viviam dando infinitas colheres-de-chá - o famoso Aderogil - pra mim e pro irmãozinho, deixando os melhores espaços pra nossas palavrinhas simplórias. E todos aqueles jogos de mesa que ninguém mais joga. Os jogos de xadrez, aliás, eram impagáveis, um exercício de paciência pra duas crianças espevitadas, já que Seu Abel tinha - e usava - todo o tempo do mundo pra pensar na melhor estratégia, e aí ele não dava colher de chá, porque a gente TINHA que aprender a usar o raciocínio.

E o quintal, aaaah... tinha as acerolas (que eu odiava na época, porque são muito azedas pra criança, mas hoje morro de saudade), as pitangas (que eu adoro desde sempre), o pé de lima que tantas vezes já foi quartel general, cabana, suporte pra balanço e, claro, tinha as limas, né... as espreguiçadeiras com almofadas quadriculadas - e com babadinhos ainda por cima -, e tinha uma em especial, toda redonda, onde eu gostava demais de sentar, e até hoje acho que tem um design genial. Tinha os indefectíveis passeios com carrinho de mão, se tivesse alguém pra me empurrar, claro. Aí eu pegava (sem minha vó ver, porque ela ficava uma fera) uma das referidas almofadas quadriculadas e ficava de princesa Diana, passeando e acenando pelo quintal.

E tinham as estrelas nas noites de verão, e meu avô levava a gente pra a outra rede, na varanda, naquela fresquinha gostosa, e discorria como ninguém sobre as constelações, e suas estrelas-alfa, e todas as coisas que ele aprendia nas enciclopédias que nunca cansava de ler. Ainda lê, eu acho...
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E no domingo depois do almoço, depois do famosíssimo pudim de leite moça ou da salada de frutas que até hoje ninguém consegue fazer melhor que dona Didi, a cena mais comum da vida era ver os dois no portão, acenando tchau até a gente sumir no carro na próxima esquina.
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(e agora era pra ter uma foto da referida cena, mas mr. Blogger resolveu não colaborar, então usem a imaginação...)
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É, nem precisa dizer que a saudade apertou e não foi pouco.
E eu sei que nem meu avô nem minha vó são muito afeitos às maravilhas do mundo moderno, mas tenho certeza que minha mãezinha vai mostrar isso a eles, né?
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(soundtrack: John Lennon - Oh My Love (obrigada, dona Sofia!))